terça-feira, 25 de julho de 2017

Onde irei parir e porquê "tão longe"?- Respeito pelo Plano de Parto (Parte II)

A par da azáfama de toda a preparação da chegada de um filho, desde a preparação do quarto, a compra do enxoval, a organização do baby shower, o molde da barriga de gesso, as sessões fotográficas e afins, deveria estar a "preparação" do parto.

Pessoalmente acho absurdo e um contrassenso prepararmos pormenorizadamente dias importantes da nossa vida, como um casamento, batizado de um filho, ou mesmo umas “férias de sonho”, e entregarmo-nos à sorte e ao que “outros” querem ou escolheram para nós, no dia mais importante da nossa vida e especialmente na vida do nosso bebé.

Trata-se do nosso parto, do nosso corpo e do corpo e saúde do nosso filho. A responsabilidade de um parto saudável, positivo, respeitado é e deveria ser uma responsabilidade partilhada entre a mulher/casal e os profissionais de saúde.
Uma ferramenta preciosa que nos permite preparar o dia do nascimento do nosso filho e assumir esta responsabilidade partilhada é o Plano de Parto/Plano de Nascimento ou Plano de Preferências para o Nascimento.

Este é um tema que considero ainda estar longe do entendimento e realidade de todas as grávidas.

O “sistema está montado” para que o “poder” de informação e de decisão esteja do lado dos profissionais. De um lado temos um modelo de cuidados ainda (infelizmente) muito usado, o modelo biomédico. Um modelo de cuidados centrado no controle ou ausência da doença, privilegiando a tecnologia, através de cuidados protocolados, cujas decisões estão centrados nos profissionais de saúde, e onde as necessidades individuais fisiológicas, emocionais ou culturais são negligenciadas ou deixadas para segundo plano. Do outro lado temos uma sociedade cuja literacia em saúde ainda está muito longe do desejável, uma sociedade maioritariamente “ignorante” e desinformada relativamente à sua saúde, que se desresponsabiliza do seu papel central nos cuidados de saúde que lhes são prestados. Uma sociedade que não questiona, que não coloca em causa as decisões de outro sobre si. Uma sociedade que nem os seus direitos, enquanto utentes do Serviço Nacional de Saúde (SNS), conhece.

As frases que mais ouço, quando abordo o tema do Plano de Nascimentos nas sessões com as grávidas/casais, são “mas nós temos opções?”, “mas nós podemos escolher?” “ O Plano de Parto existe?É possível?”
A todas estas questões respondo também aqui, neste post.

Temos sempre opções. É um direito do utente do SNS o consentimento (ou recusa) informado, livre e esclarecido, que pressupõe que a informação prestada pelo profissional de saúde seja facultada numa linguagem clara, acessível e isenta de juízos e que perante a posse dessa informação o utente consinta ou recuse os cuidados de saúde propostos.

E o Plano de Parto existe. A sua existência surge na década de 80, nomeadamente entre outros, com as recomendações da Organização Mundial da Saúde (OMS) para o Parto Normal, e a sua fomentação, implementação e respeito pelo mesmo, constitui um indicador de qualidade dos cuidados especializados em Enfermagem de Saúde Materna e Obstétrica, devendo ser fomentado nas consultas de Enfermagem de vigilância de Saúde Materna e nos Cursos de Preparação para o Parto.

Construir um plano de parto permite à mulher consciencializar-se das várias fases do trabalho de parto, do que acontece em cada uma das fases, bem como os procedimentos/rotinas hospitalares mais comuns que são aplicados em cada fase.
Permite igualmente o conhecimento dos seus direitos enquanto mulher, durante a gravidez e parto.

Porque como já referi, o modelo de cuidados ainda enraizados na maior parte das maternidades, está centrado no modelo de cuidados repleto de procedimentos, protocolos e centrado nos profissionais de saúde, o parto é encarado de há umas décadas para cá, como um procedimento médico, desvalorizando-se por completo as necessidades físicas e emocionais das mulheres/casais. Para além deste aspeto, os avanços da medicina que permitem salvar a vida da mãe e bebé em situações de risco, e deveriam ser utilizados excecionalmente, tornaram-se rotinas( de entre os quais, a indução do parto ás 39/40 semanas, a rotura da bolsa amniótica, administração da hormona ocitocina no soro, os partos instrumentados, a cesariana agendada sem indicação, etc.). Procedimentos esses, muitas vezes realizadas sem o consentimento da mulher/casal, e que sem razão/justificação para acontecerem, colocam mãe e bebé em situação de risco.

Para além disso, muitos destes procedimentos/rotinas são desaconselhados ou considerados prejudiciais quer pela Organização Mundial de Saúde ( ver as recomendações da OMS em http://bionascimento.com/oms-recomendacoes-para-o-parto-normal/) quer pelas diversas evidências científicas continuamente publicadas  e de fácil acesso a todos os interessados e população em geral   (fonte de pesquisa válida e fidedigna: http://portugal.cochrane.org/ ), nomeadamente, os toques vaginais frequentes, a raspagem dos pêlos púbicos, a episiotomia (o corte realizado na vagina), pressionar o abdómen da mulher para “ajudar  a empurrar”, a privação da ingestão de líquidos, a privação da deambulação durante o trabalho de parto, a privação do uso de métodos não farmacológicos para o alívio da dor/desconforto, a “obrigatoriedade" da posição deitada no momento do período expulsivo, e tantos outros…

Aconselho (muito 👀) a leitura do documento “Reflexão sobre o trabalho de parto e parto: construção de um plano de preferências de parto"  da Associação Portuguesa pelos Direitos da Mulher na Gravidez e Parto (http://www.associacaogravidezeparto.pt/wp-content/uploads/2016/08/Reflex%C3%A3o-para-a-constru%C3%A7%C3%A3o-do-plano-de-parto-introducao.pdf ). Um documento que pretende ajudar as grávidas a refletir sobre o trabalho e parto e as opções que estarão ao seu dispor.

Uma das razões pelas quais escolhi o CHPVVC, para o nascimento do meu segundo filho foi a existência desta prática de qualidade. A existência de uma filosofia contrária ao modelo biomédico, um modelo de cuidados de saúde individualizados, centrados na mulher, bebé e sua família, sendo a mulher/grávida o centro das decisões. Um modelo, cujo parto é visto como um processo fisiológico e onde as intervenções não são realizadas por rotina, mas sim e só se forem necessárias. Um modelo que privilegia as práticas baseadas nas evidências científicas já anteriormente referidas. Onde cada parto é único, porque cada mulher/família é igualmente única, assim como únicas, valorizadas e respeitadas, são as opções e necessidades físicas e emocionais da  mulher.

Como tal e porque é privilegiada esta individualidade e respeitada a unicidade de cada casal, o parto é preparado de forma antecipada e com tempo para reflexões, opções conscientes e necessários reajustes.
O CHPVVC tem instituído uma Consulta de Plano de Parto, sendo o único,  até à data que tem instituído este tipo de consulta. Uma consulta multidisciplinar, cuja duração previsível são 60 minutos,  formada por uma equipa constituída por uma Enfª Especialista em Enfermagem de Saúde Materna e Obstétrica/Parteira e um Médico Obstetra, onde se acolhe a mulher/casal e se ouve e discute as preferências deste quanto ao seu parto.

Estas preferências ficam documentadas, assinadas e anexadas ao processo clínico (salvaguardando que, durante o trabalho de parto e parto poderão surgir situações imprevisíveis, e tratando-se de um “plano” poderá ser necessário adaptá-lo, sendo que alterações são possíveis em qualquer altura, mas sempre de acordo com o casal  e com o seu consentimento).


Tratando-se de um serviço público, portanto gratuito e acessível a todas as utentes, e que de acordo com a legislação atual, acolhe ( e muito bem) qualquer mulher/casal independentemente do seu local de origem que o escolha para ocorrer o nascimento do deu filho (https://www.sns.gov.pt/noticias/2016/05/03/livre-acesso-e-circulacao-no-sns/) deixo a via e o contacto para quem quiser escolher, como eu, esta Unidade Hospitalar para o seu parto.

Basta entrar em contacto telefónico com o serviço administrativo: David Marques; Telefone: 252 690 600 / Extensão: 712 ) e junto deste solicitar o agendamento dos diversos serviços e/ou projetos disponíveis nesta unidade hospitalar, tais como:
- Consulta Médica de Especialidade de Obstetrícia (“consultas de termo” após as 35 semanas, estas também poderão ser solicitadas via referenciação informática Médico de Família); Consulta de Plano de Parto ou Preparação para a Parentalidade (Preparação par o Parto em solo; Preparação para o Parto em meio aquático; Puericultura e Aleitamento Materno)

Mais informações úteis: http://www.chpvvc.pt/ver.php?cod=0D0I


Informem-se por vocês e pelo vosso bebé…

 “If I don't know my options, I don't have any”. Diana Korte
 (“Se eu não conhecer as minhas opções, não terei nenhumas”)


Nota: Qualquer dúvida, informação adicional, esclarecimento, ou mesmo desacordo poderão entrar em contacto comigo. 😊😊

sábado, 15 de julho de 2017

Onde irei parir e porquê "tão longe"? (Parte I)

Esta é a pergunta à qual mais vezes tenho respondido ultimamente. Mesmo quem me conhece, me acompanha profissionalmente e conhece a “minha luta” pelos direitos da mulher/casal e pelo parto fisiológico, aborda-me nesse sentido.
Por essa razão irei partilhar convosco a minha resposta.
A resposta quanto ao local é: Centro Hospitalar Póvoa de Varzim/Vila de Conde.
A resposta quanto ao porquê? São duas as razões principais, intimamente ligadas entre elas.
A 1ª porque pretendo um PARTO RESPEITADO.
(Muitas vezes é utilizada a terminologia Parto Humanizado, mas porque acho que o termo  “humanizado”  conduz algumas vezes a leituras deturpadas ou confusas prefiro utilizar a palavra respeitado).

O que quero para mim é o que defendo, fomento e promovo às mulheres/casais que comigo se cruzam. Ter o poder de decisão e participar de todo o processo de escolhas, durante a gravidez, trabalho de parto e parto.

Tratando-se a gravidez de um período, a meu ver, “menos crítico” e “menos vulnerável” que o parto, considerei que o meu direito ao consentimento e recusa informada (direito de todos os utentes do Serviço Nacional de Saúde) estaria por si só “facilitado”. E assim tem sido. Tenho feito as minhas escolhas, ás vezes com algumas pressões, mas tratando de situações muito esporádicas e sem relevância, não têm interferido com a forma como estou a viver em plenitude esta gravidez.
Mas se considerei que durante a minha gravidez o processo de informação, decisão e escolha estaria protegido, tinha e tenho a certeza que durante o meu trabalho de parto e parto, não seria bem assim.
Sei por experiência própria e profissional que a vulnerabilidade da mulher/casal durante este período nos fragiliza e fragiliza igualmente a capacidade de lutarmos pelo que queremos, acreditamos e nos faz sentido.
Por outro lado, a acrescentar a esta vulnerabilidade, conheço muito bem a realidade obstétrica da maior parte das nossas maternidades, incluindo as mais próximas da minha residência.
Para além do modelo paternalista, que é a mesma coisa que dizer, “que os profissionais de saúde é que sabem”, reina a “filosofia da intervenção” e do não respeito. Não respeito pela fisiologia do parto, pelo casal e nascimento do seu filho e pelo próprio bebé que nasce.
Acrescido a este desrespeito, as rotinas e intervenções a que as mulheres são sujeitas não são maioritariamente apoiadas pelas evidências científicas, sendo que algumas são mesmo contra indicadas ou consideradas “más práticas” pela Organização Mundial de Saúde.

A 2ª razão que me levou a escolher o serviço público da Póvoa de Varzim para o nascimento do meu segundo filho, está diretamente relacionada com a anterior, e prende-se com a minha total recusa em ser vítima de Violência Obstétrica.
Recuso-se ser alvo, do abuso do “poder” dos profissionais de saúde e do seu desrespeito pelos Direitos Humanos. Recuso qualquer forma de violência, seja ela física ou psicológica.

Para mais informações sobre Violência Obstétrica poderão consultar o site https://sombrasdoparto.wordpress.com da Associação Portuguesa pelos Direitos da Mulher na Gravidez e Parto, relativo a este tema.
Aproveito para apelar, a quem ainda não o tenha feito, para a assinatura da “Petição pelo fim da Violência Obstétrica nos blocos de parto dos hospitais portugueses” em http://peticaopublica.com/pview.aspx?pi=PT86154

No local que escolhi para parir, não estarei “á mercê da sorte de quem nos calha” que tantas vezes ouço por parte das mulheres que acompanho. Neste serviço existe uma filosofia de equipa em que cada parto é um momento único, irrepetível e importante demais para o considerarem “mais um”. O objetivo destes profissionais é permitir que a mulher/casal seja a protagonista do seu parto. É contribuir para que cada parto seja um momento o mais positivo e feliz possível. E não meramente “uma mãe e filho vivos”. Isso é importante, sim. Mas para mim e estes profissionais não é tudo.

Longe? Talvez… 100km e 1h de caminho, talvez seja considerado “longe” para alguns.
Para nós…
Quando está em causa, viver o momento do nascimento do nosso filho, de forma plena, digna, respeitada e saudável;
Quando sabemos que as práticas deste serviço se baseiam nas boas práticas e nas evidências científicas comprovadas, e que como tal respeitam o tempo e a fisiologia do parto;
Quando sei que neste serviço eu e a minha família seremos apoiados, acolhidos e respeitados, sem pressões ou julgamentos;
Quando sabemos que é o único serviço que fomenta e promove o Plano de Parto/Nascimento e o respeita;
Longe? É um mero e sem importância, pormenor…iríamos até ao Algarve se assim fosse necessário.

NOTA: Em breve apresentarei o meu Plano de Parto/Nascimento e explicarei pormenorizadamente porque é que este serviço é considerado um dos melhores a nível nacional, na área da Obstetrícia.
E apresentarei de que forma, qualquer mulher/casal grávido poderá usufruir deste serviço público de excelência.
Aproveito para aconselhar a visualização da Reportagem a “Árvore da Vida”, hoje na RTP1 no programa Linha da Frente às 20.45h.

*Foto captada da parede do Bloco de Partos do CHPVVC-Unidade da Póvoa de Varzim