terça-feira, 13 de junho de 2017

O "Parto" que me mudou, mudou a minha vida…e que fez de mim e do meu filho, “sobreviventes”

Esta é a história do meu “parto”. Nunca o considerei um parto. E não foi.

Muitos de vocês não me entenderão, outros no fim deste post talvez compreendam, e uns tantos outros não só entenderão como se identificarão com esta minha experiência. Uma cesariana com dia marcado, não é um Parto, é uma cirurgia. Tal e qual entrar num bloco operatório, para retirar a vesícula ou um quisto.
Respeito quem depois de devidamente esclarecido, julgue e escolha este tipo de intervenção, como o ideal para fazer nascer um filho. Assim como ressalvo desde já que a cesariana é uma intervenção que salva vidas quando necessária (cesarianas urgentes/emergentes) e que poderá estar indicada em algumas doenças maternas ou fetais.
Por isso que fique aqui esclarecido que este post não é um “contra cesarianas”, é sim o relato do parto que eu deixei que me fosse roubado.

Como já vos havia dito, a minha gravidez correu muito bem. Uma gravidez saudável e sem qualquer intercorrência. Trabalhava no serviço de obstetrícia à alguns anos, conhecia muito bem as “rotinas” obstétricas, e a equipa. Pela facilidade de trabalhar lado a lado com os Obstetras, decidi que a vigilância da gravidez seria no hospital com o Obstetra que mais confiava. Uma pessoa excelente, tanto pessoal como profissionalmente.

Nunca nas diversas consultas abordamos o tema “Parto” e nunca fui questionada sobre o que eu/nós como casal desejávamos. Depois vim anos mais tarde, perceber que esta é a rotina habitual nas consultas com estes profissionais.

Na minha cabeça, sempre imaginei um parto vaginal, apesar confesso, do medo que sentia. Conhecia o parto como a maior parte de vocês talvez conheça.
 Uma mulher deitada numa cama algumas horas, sem comer, “presa” a um sistema de soro e a uma máquina que serve para monitorizar os batimentos cardíacos do bebé. No momento do parto, uma mulher deitada na posição ginecológica, pernas presas e sob “comando” de uma equipa…”Agora puxe”, ”Agora não puxe”, “Não está puxar bem”, “ O pai é melhor esperar lá fora”, “Vamos dar uma ajudinha” (e lá vinha a manobra de Kristller, alguém em cima da barriga da mulher), um parto com a rotineira “ajuda” da episiotomia (corte na parede vaginal da mulher), ou a não menos rotineira aplicação da ventosa.
Era este o parto que conhecia, que me habituei a achar “normal” e que temia (e que continuo a temer, tanto que nesta gravidez optei por fugir deste “cenário”), mas cuja única alternativa era uma cirurgia, e esta também não a temia menos. Por isso desejava um parto vaginal, com epidural, porque estava convencida de que era impossível passar por um trabalho de parto sem esta “ajuda” e sabendo do ambiente que se vivia na sala de partos, não tinha ainda a certeza se queria o meu marido presente no momento do parto, sabia apenas, que o queria  durante as horas do trabalho de parto.

Fiz o curso de preparação para o parto, segundo o método na altura em uso, o psicoprofilático, que consistia em aulas práticas centradas em respiração, exercícios de mobilidade da bacia óssea e treino de como “puxar bem”( método este, atualmente em desuso, já abandonado pelo seu autor e desaconselhado pelas últimas evidências científicas), e sentia que tinha as ferramentas para um parto vaginal.
Estou grata por anos mais tarde, este metodo ter sido abandonado.No que concerne a informação e empoderamento da mulher para o parto e nascimento, "preparavam zero".

Mas, por volta das 37 semanas, o futuro começou a escrever-se em direção a outro caminho. Nesta altura já estava nas “consultas de termo” semanais e o “discurso agoniante” começou…”Ui, ainda está tudo muito atrasado”, “Caminhe muito senão isto ainda vai demorar”, “ Que bebé tão grande”, “ A bacia é boa, mas não temos a certeza se dará", "Agora só está a engordar”. Lembro-me que na consulta das 39 semanas, o Obstetra pedir a opinião de mais dois colegas. A opinião era unânime, estava com o colo duro, fechado e posterior (que significa para quem não é profissional, que estava em ausência de início de trabalho de parto, “muito atrasado”) e de certeza seria um bebé com mais de 4Kg.(nasceu com 3'800).
Não era Parteira, nada sabia da fisiologia do parto e aquele discurso, começou a minar por completo a confiança em mim e no meu corpo. Lembro-me bem, até porque tenho no diário da gravidez do Diogo, que a partir deste dia, os dias seguintes foram todos envoltos neste pensamento, nesta incerteza e no “Serei eu capaz”?
Nessa mesma consulta, acordamos que voltaria na semana seguinte, quando fizesse as 40 semanas e se tudo se mantivesse “tão atrasado” iria ser sujeita a uma indução (parto provocado).
Naquela altura além de não ser Parteira, não estava informada (porque não me preocupei em estar), não conhecia as minhas opções, não sabia as indicações para um parto induzido, não sabia o risco da medicação usada num parto induzido (sabia sim, que muitos dos partos induzidos terminavam em cesariana e essa ideia perturbava o meu pensamento), mas por outro lado, tinha a confiança no Obstetra e acreditei que uma indução seria o melhor para ambos.

A falta de informação ou a desinformação é de facto, na minha perspectiva atual, a pior e mais cruel realidade a que nos sujeitamos.

No dia 22 de janeiro de 2006, apresentei-me no Bloco de Partos, por volta das 9h e em jejum, como combinado. O meu Obstetra teve um contratempo com o carro nessa manhã e como só ele sabia o que me “iria fazer”, fui colocada num quarto com o meu marido e lá estivemos até por volta das 12h. Ansiosa, assustada e lembro-me bem, gelada. Várias colegas escaladas naquela manhã de domingo entraram naquele quarto, mas o que me ficou gravado para sempre foi a atitude de uma Assistente Operacional (na altura denominada Auxiliar de Acão Médica) Isabel, que apercebendo-se que estava gélida, me aconchegou e aqueceu os pés com vários resguardos aquecidos (que utilizamos para receber e secar o recém nascido).O quanto lhe agradeço e agradeci este gesto. Quando posteriormente me especializei em Obstetrícia e aprendi o quão importante é proporcionar conforto à mulher em trabalho de parto, percebi bem o seu significado. A minha memória sempre me conduziu e conduz aquele momento tão reconfortante (ainda hoje, 11 anos depois é uma das poucas memórias felizes que tenho daquele dia).
Por volta das 12h, altura em que chegou o “meu” Obstetra (que festejava nesse dia o seu  aniversário) e depois de me examinar, decide e informa que me irá realizar uma cesariana…
Justifica que, uma indução para além de dolorosa, nas minhas condições (ausência de trabalho de parto) terminaria em meia dúzia de horas depois, em cesariana. Acreditava que o bebé sujeito à medicação não aguentaria e entraria mais tarde ou mais cedo em sofrimento, e não queria ter que fazer depois uma cesariana emergente.

Não me lembro muito bem, o que pensei, o que senti. O que sei e sinto é que a partir daquelas palavras e daquela decisão, apaguei muitos momentos durante as 3h seguintes, altura em que recebi o meu bebé e o aconcheguei nos meus braços. Tenho breves “flash’s” e sequências de acontecimentos. 

Lembro-me que nunca mais vi o meu marido, que entretanto tinha saído do quarto para me prepararem para cesariana. Lembro-me de o anestesista ter muita dificuldade em colocar o catéter epidural, e me picar algumas vezes.
 Lembro-me que me “ameaçou”(no bom sentido) que ou eu me acalmava ou teria que me sedar, e não estaria acordada no momento do nascimento (porque os batimentos cardíacos estavam na ordem dos 180). Lembro-me da Enfa Sílvia, circulante do Bloco Operatória me afagar a testa e sussurrar é “agora”(outra das memórias felizes) e de seguida ouvir um choro.
 Lembro-me de alguém encostar um bebé à minha cara por segundos, e eu ter que fazer um esforço, no meio da minha confusão mental, para assimilar que aquele bebé era o meu filho.
Lembro-me de estar já na sala de recobro à espera de “sentir as pernas” para poder juntar-me ao meu bebé, que estava desde o nascimento num serviço diferente daquele, sabia que estaria sozinho (porque os pais não podiam/podem acompanhar os seus bebé), numa incubadora em aquecimento, à minha espera. Lembro-me, porque tenho escrito esta memória no “diário”, que o imaginei a chorar (quantas centenas de outros bebés tinha visto na mesma situação a chorar inconsoláveis).
Lembro-me de sentir uma enorme, solidão, vazio e angústia. Sentimentos que me acompanharam dias, meses e anos depois e que se reavivam não só agora que vos escrevo, mas a cada aniversário do meu filho.
Lembro-me que quando me juntei finalmente ao meu marido, ao fim de 2h no recobro, a primeira coisa que me disse foi, “ele está lá dentro a chorar há tanto tempo”. E assim foi, trouxeram-no até mim, a chorar, disseram-me que lhe tinham tentado dar leite de fórmula, na tentativa de saciar uma “possível fome”, mas que tinha recusado.
Uma das memórias mais marcantes que tenho desse momento, foi recebe-lo, deita-lo ao meu lado, aconchega-lo nos meus braços e falar com ele. E em segundos o choro cessar.
Imaginei e imagino a angústia e o medo dele ao longo destas mais de 2h, não só ter sido “arrancado” sem permissão do "ninho" e de seguida ter sido sujeito ao abandono, afastado de tudo o que conhecia e sem as presenças de quem deveria estar ao seu lado, a mãe ou o pai.
Lembro-me que depois de chegarmos ao quarto onde ficamos instalados, e o adaptar á mama, ele ter ficado “ligado a mim” pela amamentação por mais de 2h.

A forma como nascemos e somos recebidos neste mundo importa e muito. Desenganem-se os que pensam o contrário.

Podemos desconhecer que assim seja e negar à partida esta máxima, ou podemos ter esse conhecimento e não querer encará-lo, mas não nos enganemos. Até porque, nem nós nem o bebé beneficiará com essa nossa atitude.

Relembro o que já vos expliquei num post anterior. O bebé e todos nós, temos memórias desde os 5 meses de vida in útero. Logo também temos memórias do  momento do parto.

O momento do parto é na perspetiva do bebé uma passagem, uma mudança radical de tudo o que ele viveu e conheceu. Pensemos no ambiente em que se desenvolveu os 9 meses. Um espaço reduzido e circunscrito, aquático, escurecido, um local onde os sons chegam até ele “abafados” (imaginem-se debaixo de água), um local protegido onde não sente frio, calor e onde nunca foi tocado/manipulado.
O nascimento é um momento marcante para o bebé. Para além da “travessia” do canal de parto que tem que fazer até à sua expulsão, a forma como é recebido e “introduzido” neste mundo deixa “marcas”. A primeira impressão fica como um “impriting” para a sua vida. São cruciais as 2h últimas horas antes do nascimento e as primeiras 2h após este ocorrer.
O bebé vem do corpo da mãe e lá deve permanecer nas duas horas seguintes ao nascimento. Este momento e binómio mãe-bebé deve ser percebido, respeitado e protegido. Os seus benefícios estão descritos e comprovados cientificamente, quer no que respeita a benefícios físicos quer psicológicos, através da vinculação que se estabelece entre ambos, neste preciso  momento, devido à carga hormonal especifica presente nestas duas horas.

Reflitamos…
Como devemos receber esta nova vida? Que “imprinting” lhe queremos transmitir?
Segurança, calma, respeito, uma adaptação suave com a continuação possível da vida intra úetro, ou seja o corpo da mãe?
Ou com trauma, angústia, solidão e abandono?

A forma como nascemos importa…

E o meu filho, por uma má escolha minha, nasceu em um ambiente de angústia, esteve sozinho e abandonado, não foi bem recebido, nem bem nascido.
O meu filho é um sobrevivente. E por consequência nasceu com ele uma mãe igualmente sobrevivente.

Fiz e faço questão de lhe explicar a má escolha que fiz. Já me disse um dia, que me perdoava porque naquela altura não sabia fazer melhor. Agora, diz-me que tenho a possibilidade de não errar com o mano.

Esta foi a história que mudou a minha vida e que me fez querer mudar a vida de outros.
Que por falta de informação, nenhuma mulher que comigo se cruze, permita que o Parto lhe seja roubado.
Todos temos direito a um Parto e Nascimento digno, respeitado e não roubado ou abusado.

A maioria das pessoas com quem me cruzo não tem a mínima consciência da importância do momento do nascimento como fator influenciador na vida futura dos seus filhos e isso assusta-me. e muito.

Pensem nas vossas escolhas. Pensem que essas escolhas, não vos afetam somente a vocês.
E se ainda assim decidirem por um Nascimento roubado ou abusado, “compensem” os vossos filhos.

Muito mimo, colo, transmitam-lhes a segurança que lhes faltou. Percebam-nos e respeitem-nos…quando choram, quando querem aconchego e colo, quando não querem estar sozinhos, quando querem dormir com voçes....quando vos querem!

Pensem naquilo a que foram sujeitos no nascimento....

domingo, 11 de junho de 2017

Uma noite triste...de confronto com a realidade que eu não desejo!

Ontem foi dia de rever amigos. Um passeio noturno na minha cidade natal. Uma noite de temperatura agradável, música ao vivo, uma Praça Municipal repleta de gente e claro os inevitáveis encontros, de amigos, conhecidos e ex colegas de trabalho.
Desde que me mudei para a vila de Mondim de Basto, passei a olhar para os Vilarealenses de outra forma. Sem menosprezar os Mondinenses, gente que me acolheu muito bem e por quem eu tenho muita estima, consideração e respeito, são na sua maioria, pessoas que de alguma forma, carregam no seu fácies uma tristeza e um desânimo (do qual, acredito, nem se apercebam). Não admira que a frase que mais utilizem para me definir seja, “sempre alegre e bem disposta”. Ao início não percebia muito bem o porquê de toda a gente me dizer isto, agora percebo-os muito bem. É assim, que agora, vejo os Vilarealenses. Gente alegre e bem disposta, gente “viva”, que apesar dos seus problemas (que os hão-de ter como toda a gente) não os transparece. Por isso, é tão bom e crucial para mim, “vir á Vila” renovar energias.
Ontem a noite tinha tudo para ser revigorante...para mim e para o Baby F...tinha...
Ontem resultaram dos inevitáveis encontros, e uma vez que a minha barriguita já é impossível de camuflar, as inevitáveis afirmações e perguntas às uma grávida tem que se sujeitar (estas, nada têm a ver com as diferentes terras, é mesmo global!!).
Vou confidenciar-vos algumas…
“Então, quantas semanas?... Ui! que barriga tão grande!!!”. Grande!!?? comparada com o quê??Com a sua? Com uma abóbora? Que raio de comparação pode ser esta?!!
“Ui, deve estar enorme! Vai ser bonito para o ter!!”. Mas desde quando o tamanho da barriga (ainda para mais com 20 semanas) está relacionado com o tamanho do bebé que carrego? Porque se conclui que um bebé maior é “mais bonito” para o ter? Salvo raríssimas excepções, cada bebé está adaptado ao corpo da sua mãe. Não será que um “bebé grande” (seja lá o que isso for, para os “obstetras de café” e não café) é mais difícil de parir, porque de facto mantemos na maioria das maternidades, a mulher sempre deitada numa cama, posição que não permite a mobilidade da nossa bacia óssea, e assim dificulta a descida e expulsão de um bebé?! (quantos de vocês, não sentiriam dificuldade, e muita, em “fazer cocó” deitados?, é que o mecanismo fisiológico de expulsar um bebé é exatamente o mesmo! Fica a dica para pensarem! ;-) )
“Onde vai nascer?”… Póvoa de Varzim!. “Ah pois tu tens a ADSE, vais para a Clipóvoa (atual Hospital Luz da Póvoa de Varzim)” (nesta altura começo a sentir “aquele prurido", e o  Baby F. a sentir a minha irritação)…Não!!Vai nascer no Centro Hospitalar da Póvoa de Varzim - Vila do Conde, Hospital PÚBLICO da Póvoa…”Credo! Para tal longe??!” (como se fosse para o privado, para  a Clipóvoa, fosse mais perto! se calhar seria mais perto, mas, uns meros metros). A distância para nós não é importante, a forma como vou parir, como iremos ser tratados e respeitados, o ambiente onde vou "entregar "o meu filho para este mundo, isso sim é para nós crucial.
“Ah, então vais parir sem epidural!”…Mas que raio de associação?!! Só saberei se parirei com ou sem epidural, quando estiver em trabalho de parto, e precisar ou não dela. Agora não preciso de certeza. E para parir sem epidural, também poderia ir para qualquer maternidade, certo? A analgesia epidural existe e é oferecida, não é uma imposição ou sentença. Ou será?

Ainda expliquei que mesmo com epidural, o Centro Hospitalar da Póvoa permite a mulher andar, mudar de posição, utilizar a Bola de Pilates (tudo importantíssimo para permitir a mobilidade da bacia da mãe e a descida do bebé) e que no momento da expulsão, era  permitido à mulher escolher a posição que na hora ela ache mais confortável (não sendo imposta, a deitada numa marquesa ginecológica, como ainda é imposto na maioria das maternidades) possibilitando as posições verticais, por exemplo, com auxilio do banco de parto, se assim for o desejo da mulher ( relembro o que já referi anteriormente, a fisiologia da expulsão de um bebé é igual à do momento em vamos á casa de banho, e todos relembro estamos sentados! certo? não deitados de pernas levantadas!).
Depois desta minha tentativa, até porque nesta altura já estava a ter esta discussão, nao com uma leiga, mas com uma colega Parteira, eis que surge a afirmação que me fez desistir, desta conversa “de surdos”, “Ah pois, a Póvoa tem isso tudo porque tem aquele projeto!”… Oi?? que projeto? Ainda esperei, na tentativa de me dizer QUE projeto, mas só recebi silêncio. Seguiu dizendo, ”As mulheres julgam-se muito informadas mas não sabem é nada. Com as que corre tudo melhor são aquelas que nada sabem. As que se julgam informadas, não colaboram, não puxam, e ainda mentem depois, dizendo que foi horrível. Quando correu tudo bem!”.
(Aqui, confesso que já estava agoniada, agonia essa que se manteve até cerca das 5h, altura em que consegui finalmente adormecer)
Mas pergunto, correu bem? Para quem? Para os profissionais, certo? Se correr bem, é, mulher e bebé vivos…Ah então correu bem! E a mulher não tem que se queixar.Mas elas queixam-se...
Como é possível? Como é que não é primordial, para nós profissionais de saúde, ouvir a mulher? fazermos uma auto avaliação do nosso trabalho e perceber porque é que a mulher diz que “foi horrível”, quando para “nós” correu tudo bem? Que expetativas tinham estas mulheres? Se trabalhamos para elas, o que teremos que mudar, para que tenham uma experiência positiva? ... É mais fácil chamarmos-lhe mentirosas? E manter a cabeça dentro do aquário, ja com "água suja"?
É mais fácil chamar e justificar as boas práticas da maternidade da Póvoa de Varzim, baseadas em evidências científicas e recomendações da Organização Mundial de Saúde, que prima pelo respeito absoluto por cada casal e pelo seu parto (o único com consulta de Plano de Parto, onde uma equipa de enfermeira e obstetra, ouve o casal e “anota” as suas preferências, que são cumpridas criteriosamente), onde não existe a mulher que “não ajuda ou não faz bem”, mas sim a mulher que é sempre a protagonista e a heroína do seu Parto, um serviço que oferece todas as possibilidades de alívio da dor à mulher, sejam eles farmacológicos ou não, que permitem que esta seja livre, para andar, deitar, comer, beber, parir na posição por ela e só por ela escolhida, não efectuarem episiotomia (corte da parede vaginal da mulher), não afastarem o bebé da mãe depois do nascimento, mantendo-o no mínimo 1h despido em cima do peito da mãe? (a chamada hora de ouro, do contacto pele a pele), permitirem a presença do pai nas cesarianas e a possibilidade do contacto pele a pele ser feito com ele, e tantas outras práticas comprovadas como benéficas…daquele “Projeto da Póvoa”??!!...
Ok! Estas opções e justificações de quem não exerce uma boa prátca obstétrica, NÃO compreendo e não quero nunca compreender ou aceitar (e neste momento em que vos escrevo, já estou agoniada outra vez).
Mas, de facto concluo que, ou as mulheres se informam e perante as suas opções lutam ou fogem pelo que querem, como eu fiz, ou o Parto vai continuar a ser temido e descrito como uma experiência “horrível”…
Com discursos como este, por parte de quem os acompanha…a verdadeira essência do parto, uma experiência empoderadora, transformadora, feliz, envolta em amor e respeito…está muito longe de acontecer por estas e outras bandas….


Triste! Muito triste…



Foto: Nascimento da Lu (na hora de ouro) no Centro Hospitalar Póvoa de Varzim/Vila do Conde
Vídeo: Campanha "Parto Respeitado" do Centro Hospitalar Póvoa de Varzim

quinta-feira, 1 de junho de 2017

Parto,Morte e Sexo...relação?!

Se perguntasse a cada um de vocês se me conseguiria estabelecer alguma semelhança ou relação entre o Parto e os outros dois “momentos da humanidade “,maioritariamente, a vossa resposta, depois da surpresa da pergunta, seria um “não” .
Quanto muito, à semelhança das diversas respostas que obtive ao longo destes anos na minha relação com mulheres/casais na sua preparação para o nascimento e parentalidade, seria qualquer coisa como colocar o parto e a morte como uma antítese. Relativamente ao sexo, talvez relacionar o parto com o orgão sexual feminino usado em ambos.

Pois bem, a semelhança entre eles vai muito para além disso.

Iniciaremos pela relação entre Parto e Morte.
Parto, para muitos, quiçá a maioria é “chegar, e o bebé sair”. Um “momento” de alterações físicas, mais ou menos mecanizado, através do qual o bebé passa pelo canal vaginal da mãe até exterior. Pois, mas eu discordo e digo-vos que não, não é! Assim como morrer não é deixar de bater um coração, os orgãos deixarem de funcionar e por consequência termos que nos “desfazer” daquele corpo. Desculpem se este discurso vos choca, mas temos que começar a falar das coisas abertamente e com “todas as letras”.
A morte é um ritual cultural de passagem. Nenhuma das pessoas envolvidas, sejam familiares próximos ou amigos serão os mesmos, depois daquele momento.
 Honramos e respeitamos o momento da morte. Basta pensar no “não abandono” da pessoa, no silêncio habitual, na escassez ou no cuidado da linguagem utilizada (igualmente interessante é perceber que nunca se “diz mal” ou critica a pessoa em questão) e no apoio aos familiares.
É um ritual envolto em completo respeito, carinho, cuidado e proteção.
Assim como este momento, também o parto é um ritual de passagem. Também mulher, homem, avós nunca mais serão os mesmos depois daquele momento. O parto é um momento especial. Para aquele ser, a forma como o recebemos, será o seu primeiro “imprinting” desta vida. Também os pais são recém nascidos, o momento em que o recebem representa o concretizar do carinho e da espera. Aquele recém nascido foi gerado e esperado ao longo de vários meses. Para a sociedade, cada novo ser é (ou deveria ser) uma esperança no futuro.

Será altura de questionar, porque é que este momento é menos importante que a morte? Porque é que este momento, não merece todo o respeito, carinho, cuidados e proteção? Porque é que continuamos a “abandonar” a mulher? Conheço muitos casos em que a mulher quase tem que suplicar/convencer/coagir o marido a estar presente durante o trabalho de parto. Conheço ainda muitos mais, em que o pai/acompanhante pretende estar presente (e está protegido por lei) e lhe é negada essa possibilidade no momento especifico do parto (vaginal) usando-se alegações absurdas como “dificuldade” em lidar com o momento, o trauma que será futuramente, que em caso de partos instrumentados não podem permitir a presença do pai/acompanhante na sala etc. Para já não falar, na presença interdita do pai/ acompanhante nas cesarianas, que apesar do Despacho nº 5344-A/2016 de 19 de abril, continua a acontecer em muitas das maternidades (das 4 maternidades com que lido diariamente, localizadas em 3 distritos diferentes, Vila Real, Braga e Porto, apenas uma das duas do distrito do Porto, o Centro Hospitalar Póvoa do Varzim - Vila do Conde, que já o permitia, antes deste Despacho, continua a possibilitar a presença do pai/acompanhante em caso de parto por cesariana).
E se falarmos na linguagem. Porque é que não respeitamos aquele momento, que necessita para além da escassez da mesma, de um cuidado acrescido na comunicação com a mulher (tudo o que lhe for dito durante o trabalho de parto e parto deve ser munido de confiança, incentivo, apoio, pois só assim permitiremos o normal funcionamento do cocktail hormonal, hormonas essas cruciais para o desenrolar fisiológico do trabalho de parto e parto). Porque é que continuamos a proferir frases ofensivas, desencorajadoras, preconceituosas ou mesmo culpabilizáveis? Porque ordenamos alto e todos ao mesmo tempo, no momento do parto?
Concluo que ambos, são momentos que valem todo o cuidado, carinho, investimento, apoio e respeito, mas…a sociedade, profissional e não profissional ainda tem um longo caminho a percorrer no que toca ao Parto.

E a relação entre Parto e Sexo?
Pois bem, ambos podem e devem ser momentos agradáveis e maravilhosos. Mas ambos podem ser momentos traumáticos.
Uma relação sexual pode ser um momento agradável, maravilhoso, seguro, de intimidade SE for feito com consentimento. Se a mulher tiver opção de escolha, se for respeitada.
Ao invés, se for forçada, coagida ou se não tiver opção, pode ser uma coisa muito má, muito invasiva ou traumática (mesmo que não se trate do crime de violação).
Vou-vos confidenciar uma coisa. É avassalador confrontar-me diariamente com os relatos e desabafos das mulheres, no que concerne a esta questão. Mulheres que desconhecem o seu corpo, fisicamente falando, que sentem uma repulsa em relação à sua vida sexual, que diariamente nos seus relacionamentos, sentem que não têm opção de escolha, mas sim obrigação…
Assim poderá ser o parto. Um momento agradável, maravilhoso, especial, SE a mulher não for forçada, se não se sentir obrigada, se tiver opção, se for respeitada, se der o seu consentimento.
Concluo que, ambos podem e devem ser momentos agradáveis, maravilhosos e seguros, mas… ao contrário da reflexão anterior, em ambos os “momentos” a sociedade profissional e não profissional tem ainda um longo caminho a percorrer.

Reflitamos e questionemo-nos…
O que pretendemos no processo de trabalho de parto e parto? O que pretendemos nas nossas relações de intimidade? O que pretendemos no momento da nossa morte?

EU pretendo, respeito, carinho, cuidado, apoio e proteção…
E fico muito aliviada, por saber que no único momento destes três, em que não posso OPTAR é aquele que a sociedade mais privilegia ;-)