Se perguntasse a cada um de vocês
se me conseguiria estabelecer alguma semelhança ou relação entre o Parto e os
outros dois “momentos da humanidade “,maioritariamente, a vossa resposta,
depois da surpresa da pergunta, seria um “não” .
Quanto muito, à semelhança das
diversas respostas que obtive ao longo destes anos na minha relação com
mulheres/casais na sua preparação para o nascimento e parentalidade, seria qualquer
coisa como colocar o parto e a morte como uma antítese. Relativamente ao sexo,
talvez relacionar o parto com o orgão sexual feminino usado em ambos.
Pois bem, a semelhança entre eles
vai muito para além disso.
Iniciaremos pela relação entre
Parto e Morte.
Parto, para muitos, quiçá a maioria é “chegar, e o bebé
sair”. Um “momento” de alterações físicas, mais ou menos mecanizado, através do
qual o bebé passa pelo canal vaginal da mãe até exterior. Pois, mas eu discordo
e digo-vos que não, não é! Assim como morrer não é deixar de bater um coração,
os orgãos deixarem de funcionar e por consequência termos que nos “desfazer”
daquele corpo. Desculpem se este discurso vos choca, mas temos que começar a
falar das coisas abertamente e com “todas as letras”.
A morte é um ritual cultural de
passagem. Nenhuma das pessoas envolvidas, sejam familiares próximos ou amigos
serão os mesmos, depois daquele momento.
Honramos e respeitamos o momento da morte.
Basta pensar no “não abandono” da pessoa, no silêncio habitual, na escassez ou
no cuidado da linguagem utilizada (igualmente interessante é perceber que nunca
se “diz mal” ou critica a pessoa em questão) e no apoio aos familiares.
É um ritual envolto em completo
respeito, carinho, cuidado e proteção.
Assim como este momento, também o
parto é um ritual de passagem. Também mulher, homem, avós nunca mais serão os
mesmos depois daquele momento. O parto é um momento especial. Para aquele ser,
a forma como o recebemos, será o seu primeiro “imprinting” desta vida. Também os pais são recém nascidos, o
momento em que o recebem representa o concretizar do carinho e da espera.
Aquele recém nascido foi gerado e esperado ao longo de vários meses. Para a
sociedade, cada novo ser é (ou deveria ser) uma esperança no futuro.
Será altura de questionar, porque
é que este momento é menos importante que a morte? Porque é que este momento, não
merece todo o respeito, carinho, cuidados e proteção? Porque é que continuamos
a “abandonar” a mulher? Conheço muitos casos em que a mulher quase tem que
suplicar/convencer/coagir o marido a estar presente durante o trabalho de
parto. Conheço ainda muitos mais, em que o pai/acompanhante pretende estar
presente (e está protegido por lei) e lhe é negada essa possibilidade no
momento especifico do parto (vaginal) usando-se alegações absurdas como
“dificuldade” em lidar com o momento, o trauma que será futuramente, que em
caso de partos instrumentados não podem permitir a presença do pai/acompanhante
na sala etc. Para já não falar, na presença interdita do pai/ acompanhante nas
cesarianas, que apesar do Despacho nº 5344-A/2016 de 19 de abril, continua a acontecer em muitas das
maternidades (das 4 maternidades com que lido diariamente, localizadas em 3
distritos diferentes, Vila Real, Braga e Porto, apenas uma das duas do distrito
do Porto, o Centro Hospitalar Póvoa do Varzim - Vila do Conde, que já o
permitia, antes deste Despacho, continua a possibilitar a presença do
pai/acompanhante em caso de parto por cesariana).
E se falarmos na linguagem.
Porque é que não respeitamos aquele momento, que necessita para além da escassez
da mesma, de um cuidado acrescido na comunicação com a mulher (tudo o que lhe
for dito durante o trabalho de parto e parto deve ser munido de confiança, incentivo,
apoio, pois só assim permitiremos o normal funcionamento do cocktail hormonal, hormonas essas
cruciais para o desenrolar fisiológico do trabalho de parto e parto). Porque é
que continuamos a proferir frases ofensivas, desencorajadoras, preconceituosas
ou mesmo culpabilizáveis? Porque ordenamos alto e todos ao mesmo tempo, no
momento do parto?
Concluo que ambos, são momentos
que valem todo o cuidado, carinho, investimento, apoio e respeito, mas…a
sociedade, profissional e não profissional ainda tem um longo caminho a
percorrer no que toca ao Parto.
E a relação entre Parto e Sexo?
Pois bem, ambos podem e devem ser
momentos agradáveis e maravilhosos. Mas ambos podem ser momentos traumáticos.
Uma relação sexual pode ser um
momento agradável, maravilhoso, seguro, de intimidade SE for feito com
consentimento. Se a mulher tiver opção de escolha, se for respeitada.
Ao invés, se for forçada, coagida
ou se não tiver opção, pode ser uma coisa muito má, muito invasiva ou
traumática (mesmo que não se trate do crime de violação).
Vou-vos confidenciar uma coisa. É
avassalador confrontar-me diariamente com os relatos e desabafos das mulheres,
no que concerne a esta questão. Mulheres que desconhecem o seu corpo,
fisicamente falando, que sentem uma repulsa em relação à sua vida sexual, que
diariamente nos seus relacionamentos, sentem que não têm opção de escolha, mas
sim obrigação…
Assim poderá ser o parto. Um
momento agradável, maravilhoso, especial, SE a mulher não for forçada, se não
se sentir obrigada, se tiver opção, se for respeitada, se der o seu
consentimento.
Concluo que, ambos podem e devem
ser momentos agradáveis, maravilhosos e seguros, mas… ao contrário da reflexão
anterior, em ambos os “momentos” a sociedade profissional e não profissional
tem ainda um longo caminho a percorrer.
Reflitamos e questionemo-nos…
O que pretendemos no processo de
trabalho de parto e parto? O que pretendemos nas nossas relações de intimidade?
O que pretendemos no momento da nossa morte?
EU pretendo, respeito, carinho,
cuidado, apoio e proteção…
E fico muito aliviada, por saber
que no único momento destes três, em que não posso OPTAR é aquele que a
sociedade mais privilegia ;-)
Sem comentários:
Enviar um comentário