quinta-feira, 1 de junho de 2017

Parto,Morte e Sexo...relação?!

Se perguntasse a cada um de vocês se me conseguiria estabelecer alguma semelhança ou relação entre o Parto e os outros dois “momentos da humanidade “,maioritariamente, a vossa resposta, depois da surpresa da pergunta, seria um “não” .
Quanto muito, à semelhança das diversas respostas que obtive ao longo destes anos na minha relação com mulheres/casais na sua preparação para o nascimento e parentalidade, seria qualquer coisa como colocar o parto e a morte como uma antítese. Relativamente ao sexo, talvez relacionar o parto com o orgão sexual feminino usado em ambos.

Pois bem, a semelhança entre eles vai muito para além disso.

Iniciaremos pela relação entre Parto e Morte.
Parto, para muitos, quiçá a maioria é “chegar, e o bebé sair”. Um “momento” de alterações físicas, mais ou menos mecanizado, através do qual o bebé passa pelo canal vaginal da mãe até exterior. Pois, mas eu discordo e digo-vos que não, não é! Assim como morrer não é deixar de bater um coração, os orgãos deixarem de funcionar e por consequência termos que nos “desfazer” daquele corpo. Desculpem se este discurso vos choca, mas temos que começar a falar das coisas abertamente e com “todas as letras”.
A morte é um ritual cultural de passagem. Nenhuma das pessoas envolvidas, sejam familiares próximos ou amigos serão os mesmos, depois daquele momento.
 Honramos e respeitamos o momento da morte. Basta pensar no “não abandono” da pessoa, no silêncio habitual, na escassez ou no cuidado da linguagem utilizada (igualmente interessante é perceber que nunca se “diz mal” ou critica a pessoa em questão) e no apoio aos familiares.
É um ritual envolto em completo respeito, carinho, cuidado e proteção.
Assim como este momento, também o parto é um ritual de passagem. Também mulher, homem, avós nunca mais serão os mesmos depois daquele momento. O parto é um momento especial. Para aquele ser, a forma como o recebemos, será o seu primeiro “imprinting” desta vida. Também os pais são recém nascidos, o momento em que o recebem representa o concretizar do carinho e da espera. Aquele recém nascido foi gerado e esperado ao longo de vários meses. Para a sociedade, cada novo ser é (ou deveria ser) uma esperança no futuro.

Será altura de questionar, porque é que este momento é menos importante que a morte? Porque é que este momento, não merece todo o respeito, carinho, cuidados e proteção? Porque é que continuamos a “abandonar” a mulher? Conheço muitos casos em que a mulher quase tem que suplicar/convencer/coagir o marido a estar presente durante o trabalho de parto. Conheço ainda muitos mais, em que o pai/acompanhante pretende estar presente (e está protegido por lei) e lhe é negada essa possibilidade no momento especifico do parto (vaginal) usando-se alegações absurdas como “dificuldade” em lidar com o momento, o trauma que será futuramente, que em caso de partos instrumentados não podem permitir a presença do pai/acompanhante na sala etc. Para já não falar, na presença interdita do pai/ acompanhante nas cesarianas, que apesar do Despacho nº 5344-A/2016 de 19 de abril, continua a acontecer em muitas das maternidades (das 4 maternidades com que lido diariamente, localizadas em 3 distritos diferentes, Vila Real, Braga e Porto, apenas uma das duas do distrito do Porto, o Centro Hospitalar Póvoa do Varzim - Vila do Conde, que já o permitia, antes deste Despacho, continua a possibilitar a presença do pai/acompanhante em caso de parto por cesariana).
E se falarmos na linguagem. Porque é que não respeitamos aquele momento, que necessita para além da escassez da mesma, de um cuidado acrescido na comunicação com a mulher (tudo o que lhe for dito durante o trabalho de parto e parto deve ser munido de confiança, incentivo, apoio, pois só assim permitiremos o normal funcionamento do cocktail hormonal, hormonas essas cruciais para o desenrolar fisiológico do trabalho de parto e parto). Porque é que continuamos a proferir frases ofensivas, desencorajadoras, preconceituosas ou mesmo culpabilizáveis? Porque ordenamos alto e todos ao mesmo tempo, no momento do parto?
Concluo que ambos, são momentos que valem todo o cuidado, carinho, investimento, apoio e respeito, mas…a sociedade, profissional e não profissional ainda tem um longo caminho a percorrer no que toca ao Parto.

E a relação entre Parto e Sexo?
Pois bem, ambos podem e devem ser momentos agradáveis e maravilhosos. Mas ambos podem ser momentos traumáticos.
Uma relação sexual pode ser um momento agradável, maravilhoso, seguro, de intimidade SE for feito com consentimento. Se a mulher tiver opção de escolha, se for respeitada.
Ao invés, se for forçada, coagida ou se não tiver opção, pode ser uma coisa muito má, muito invasiva ou traumática (mesmo que não se trate do crime de violação).
Vou-vos confidenciar uma coisa. É avassalador confrontar-me diariamente com os relatos e desabafos das mulheres, no que concerne a esta questão. Mulheres que desconhecem o seu corpo, fisicamente falando, que sentem uma repulsa em relação à sua vida sexual, que diariamente nos seus relacionamentos, sentem que não têm opção de escolha, mas sim obrigação…
Assim poderá ser o parto. Um momento agradável, maravilhoso, especial, SE a mulher não for forçada, se não se sentir obrigada, se tiver opção, se for respeitada, se der o seu consentimento.
Concluo que, ambos podem e devem ser momentos agradáveis, maravilhosos e seguros, mas… ao contrário da reflexão anterior, em ambos os “momentos” a sociedade profissional e não profissional tem ainda um longo caminho a percorrer.

Reflitamos e questionemo-nos…
O que pretendemos no processo de trabalho de parto e parto? O que pretendemos nas nossas relações de intimidade? O que pretendemos no momento da nossa morte?

EU pretendo, respeito, carinho, cuidado, apoio e proteção…
E fico muito aliviada, por saber que no único momento destes três, em que não posso OPTAR é aquele que a sociedade mais privilegia ;-)

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