domingo, 11 de junho de 2017

Uma noite triste...de confronto com a realidade que eu não desejo!

Ontem foi dia de rever amigos. Um passeio noturno na minha cidade natal. Uma noite de temperatura agradável, música ao vivo, uma Praça Municipal repleta de gente e claro os inevitáveis encontros, de amigos, conhecidos e ex colegas de trabalho.
Desde que me mudei para a vila de Mondim de Basto, passei a olhar para os Vilarealenses de outra forma. Sem menosprezar os Mondinenses, gente que me acolheu muito bem e por quem eu tenho muita estima, consideração e respeito, são na sua maioria, pessoas que de alguma forma, carregam no seu fácies uma tristeza e um desânimo (do qual, acredito, nem se apercebam). Não admira que a frase que mais utilizem para me definir seja, “sempre alegre e bem disposta”. Ao início não percebia muito bem o porquê de toda a gente me dizer isto, agora percebo-os muito bem. É assim, que agora, vejo os Vilarealenses. Gente alegre e bem disposta, gente “viva”, que apesar dos seus problemas (que os hão-de ter como toda a gente) não os transparece. Por isso, é tão bom e crucial para mim, “vir á Vila” renovar energias.
Ontem a noite tinha tudo para ser revigorante...para mim e para o Baby F...tinha...
Ontem resultaram dos inevitáveis encontros, e uma vez que a minha barriguita já é impossível de camuflar, as inevitáveis afirmações e perguntas às uma grávida tem que se sujeitar (estas, nada têm a ver com as diferentes terras, é mesmo global!!).
Vou confidenciar-vos algumas…
“Então, quantas semanas?... Ui! que barriga tão grande!!!”. Grande!!?? comparada com o quê??Com a sua? Com uma abóbora? Que raio de comparação pode ser esta?!!
“Ui, deve estar enorme! Vai ser bonito para o ter!!”. Mas desde quando o tamanho da barriga (ainda para mais com 20 semanas) está relacionado com o tamanho do bebé que carrego? Porque se conclui que um bebé maior é “mais bonito” para o ter? Salvo raríssimas excepções, cada bebé está adaptado ao corpo da sua mãe. Não será que um “bebé grande” (seja lá o que isso for, para os “obstetras de café” e não café) é mais difícil de parir, porque de facto mantemos na maioria das maternidades, a mulher sempre deitada numa cama, posição que não permite a mobilidade da nossa bacia óssea, e assim dificulta a descida e expulsão de um bebé?! (quantos de vocês, não sentiriam dificuldade, e muita, em “fazer cocó” deitados?, é que o mecanismo fisiológico de expulsar um bebé é exatamente o mesmo! Fica a dica para pensarem! ;-) )
“Onde vai nascer?”… Póvoa de Varzim!. “Ah pois tu tens a ADSE, vais para a Clipóvoa (atual Hospital Luz da Póvoa de Varzim)” (nesta altura começo a sentir “aquele prurido", e o  Baby F. a sentir a minha irritação)…Não!!Vai nascer no Centro Hospitalar da Póvoa de Varzim - Vila do Conde, Hospital PÚBLICO da Póvoa…”Credo! Para tal longe??!” (como se fosse para o privado, para  a Clipóvoa, fosse mais perto! se calhar seria mais perto, mas, uns meros metros). A distância para nós não é importante, a forma como vou parir, como iremos ser tratados e respeitados, o ambiente onde vou "entregar "o meu filho para este mundo, isso sim é para nós crucial.
“Ah, então vais parir sem epidural!”…Mas que raio de associação?!! Só saberei se parirei com ou sem epidural, quando estiver em trabalho de parto, e precisar ou não dela. Agora não preciso de certeza. E para parir sem epidural, também poderia ir para qualquer maternidade, certo? A analgesia epidural existe e é oferecida, não é uma imposição ou sentença. Ou será?

Ainda expliquei que mesmo com epidural, o Centro Hospitalar da Póvoa permite a mulher andar, mudar de posição, utilizar a Bola de Pilates (tudo importantíssimo para permitir a mobilidade da bacia da mãe e a descida do bebé) e que no momento da expulsão, era  permitido à mulher escolher a posição que na hora ela ache mais confortável (não sendo imposta, a deitada numa marquesa ginecológica, como ainda é imposto na maioria das maternidades) possibilitando as posições verticais, por exemplo, com auxilio do banco de parto, se assim for o desejo da mulher ( relembro o que já referi anteriormente, a fisiologia da expulsão de um bebé é igual à do momento em vamos á casa de banho, e todos relembro estamos sentados! certo? não deitados de pernas levantadas!).
Depois desta minha tentativa, até porque nesta altura já estava a ter esta discussão, nao com uma leiga, mas com uma colega Parteira, eis que surge a afirmação que me fez desistir, desta conversa “de surdos”, “Ah pois, a Póvoa tem isso tudo porque tem aquele projeto!”… Oi?? que projeto? Ainda esperei, na tentativa de me dizer QUE projeto, mas só recebi silêncio. Seguiu dizendo, ”As mulheres julgam-se muito informadas mas não sabem é nada. Com as que corre tudo melhor são aquelas que nada sabem. As que se julgam informadas, não colaboram, não puxam, e ainda mentem depois, dizendo que foi horrível. Quando correu tudo bem!”.
(Aqui, confesso que já estava agoniada, agonia essa que se manteve até cerca das 5h, altura em que consegui finalmente adormecer)
Mas pergunto, correu bem? Para quem? Para os profissionais, certo? Se correr bem, é, mulher e bebé vivos…Ah então correu bem! E a mulher não tem que se queixar.Mas elas queixam-se...
Como é possível? Como é que não é primordial, para nós profissionais de saúde, ouvir a mulher? fazermos uma auto avaliação do nosso trabalho e perceber porque é que a mulher diz que “foi horrível”, quando para “nós” correu tudo bem? Que expetativas tinham estas mulheres? Se trabalhamos para elas, o que teremos que mudar, para que tenham uma experiência positiva? ... É mais fácil chamarmos-lhe mentirosas? E manter a cabeça dentro do aquário, ja com "água suja"?
É mais fácil chamar e justificar as boas práticas da maternidade da Póvoa de Varzim, baseadas em evidências científicas e recomendações da Organização Mundial de Saúde, que prima pelo respeito absoluto por cada casal e pelo seu parto (o único com consulta de Plano de Parto, onde uma equipa de enfermeira e obstetra, ouve o casal e “anota” as suas preferências, que são cumpridas criteriosamente), onde não existe a mulher que “não ajuda ou não faz bem”, mas sim a mulher que é sempre a protagonista e a heroína do seu Parto, um serviço que oferece todas as possibilidades de alívio da dor à mulher, sejam eles farmacológicos ou não, que permitem que esta seja livre, para andar, deitar, comer, beber, parir na posição por ela e só por ela escolhida, não efectuarem episiotomia (corte da parede vaginal da mulher), não afastarem o bebé da mãe depois do nascimento, mantendo-o no mínimo 1h despido em cima do peito da mãe? (a chamada hora de ouro, do contacto pele a pele), permitirem a presença do pai nas cesarianas e a possibilidade do contacto pele a pele ser feito com ele, e tantas outras práticas comprovadas como benéficas…daquele “Projeto da Póvoa”??!!...
Ok! Estas opções e justificações de quem não exerce uma boa prátca obstétrica, NÃO compreendo e não quero nunca compreender ou aceitar (e neste momento em que vos escrevo, já estou agoniada outra vez).
Mas, de facto concluo que, ou as mulheres se informam e perante as suas opções lutam ou fogem pelo que querem, como eu fiz, ou o Parto vai continuar a ser temido e descrito como uma experiência “horrível”…
Com discursos como este, por parte de quem os acompanha…a verdadeira essência do parto, uma experiência empoderadora, transformadora, feliz, envolta em amor e respeito…está muito longe de acontecer por estas e outras bandas….


Triste! Muito triste…



Foto: Nascimento da Lu (na hora de ouro) no Centro Hospitalar Póvoa de Varzim/Vila do Conde
Vídeo: Campanha "Parto Respeitado" do Centro Hospitalar Póvoa de Varzim

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